Estamos desaprendendo a nos acalmar. Isso é grave e afeta a nossa saúde mental e o nosso bem-estar psíquico. Conseguir acalmar-se é uma sabedoria. No cenário frenético do mundo em que vivemos, é também uma questão vital
Neste texto falaremos sobre as razões e quais as consequências de perdermos essa capacidade tão importante de nos acalmarmos e também, claro, falaremos sobre cuidar do que te acalma.
Vivemos em uma sociedade em que a quantidade gigantesca de informações e a aceleração da vida inundam os nossos sentidos e nosso psiquismo, gerando sensações de pressa, de atraso e urgência que nos roubam a calma.
É bem comum sentirmos essas sensações de tempos em tempos. Cada vez mais somos convocados a responder rapidamente a múltiplos estímulos. Curtidas, visualizações que demandam respostas, acúmulo de mensagens e e-mails, chamadas de voz e vídeos que recebemos a todo instante e atravessam até mesmo os momentos de pausa, lazer, descanso e até o nosso sono.
Por exemplo, você provavelmente conhece alguém que vai dormir com a TV ligada, ou que antes de dormir acessa a Netflix pra ver apenas um episódio da série e acaba fazendo uma maratona até 4h da manhã. E depois ainda sofre com aquele sono agitado e sonha com cenários da série.
“Alguns estudos indicam que a exposição à luz do celular à noite prejudica o sono porque o tipo de iluminação proveniente da tela (…) corta a secreção de melatonina, um hormônio liberado pela glândula pineal que age diretamente nos padrões de sono.” Links para as matérias citadas aqui, aqui e aqui.
Mas este é o mundo em que vivemos, e não vamos conseguir mudar esses fatores. Pelo contrário, a tendência é que surjam cada vez mais tecnologias e técnicas que vão demandar mais e mais a nossa prontidão. Então, é por isso que começamos o texto ressaltando a importância de se prestar atenção e cuidar daquilo que nos acalma.
Para fazer isso é preciso também fazer uma distinção. Uma distinção entre nos acalmarmos com atividades que trazem tranquilidade e nos acalmarmos com coisas que agitam e causam excitação.
O ser humano é capaz de se acalmar tanto pela via da excitação quanto pela via da tranquilidade. Por isso é que, mesmo atrapalhando o sono, muita gente opta por ligar uma telinha na hora de dormir. Porém, a longo prazo, os efeitos da busca da calma pela excitação são cobrados na forma da ansiedade, dificuldades pra dormir, cansaço e estresse.
Uma série de fatores que vão contribuindo para fazer da nossa sociedade uma sociedade extremamente ansiosa.
A gente já comentou em outros textos: o Brasil é o campeão mundial de ansiedade.
Existem processos mentais distintos em cada uma dessas formas de atingir um estado de calma ou tranquilidade. É interessante citar a catarse como um desses processos mentais que promovem uma sensação de tranquilidade, bem-estar e relaxamento pela via da excitação do psiquismo.
A catarse é caracterizada por uma descarga intensa de energia psíquica. Essa descarga de energia é que gera o relaxamento e o prazer, como acontece em uma boa risada ou no choro, por exemplo.
A confusão entre a calma que atingimos através de formas de tranquilização e a calma que vem depois de uma catarse, ou de uma fonte de excitação como a TV, que nos distrai da vida, tem custado muito caro para o nosso bem-estar mental. E para nos desfazermos dessa confusão, daremos algumas dicas do que fazer para se acalmar da maneira mais benéfica, pela tranquilidade.
Entretanto, não iremos dar dicas de como ficar calmo diante de uma situação estressante, ou de como ir do estresse para a calma.
Embora a habilidade de se acalmar em situações difíceis seja importante, é também fundamental falar da calma a longo prazo: uma calma que você cultiva para que ela te acompanhe sempre, não apenas na hora do stress.
Não queremos falar sobre a calma que existe como um antídoto contra o mal-estar, porque entendemos calma não apenas como ausência de stress. Isso seria o mesmo que, por exemplo, entender a saúde apenas como a ausência de doenças.
Se pensarmos na saúde dessa forma, o conceito do que é ter uma vida saudável se limita agudamente.
Da mesma forma, a calma não deve ser limitada à ausência de situações estressantes ou à capacidade de manter a tranquilidade diante do estresse. Esse é um entendimento restritivo da calma.
Para ajudar a visualizar: Imagine o mecânico encarregado de trocar os pneus de um carro de Fórmula 1. Se ele não estiver relativamente calmo, não vai conseguir.
Nessa hora, apesar da pressão, a afobação e o nervosismo impediriam sua capacidade de agir com precisão. Um certo nível de calma e concentração precisam estar presentes para trocar-se o pneu de um carro em menos de dois segundos.
É importante ressaltar que a calma não é a mesma coisa que lentidão, prostração, moleza.
É possível ter calma e sentir a adrenalina ao mesmo tempo. Aliás, muitas vezes o momento em que a adrenalina dispara é quando a calma se torna mais necessária. Se conseguirmos cuidar do que nos ajuda a ter calma em nosso dia-a-dia nós vamos, aos poucos, nos tornando capazes de conhecer outras dimensões e benefícios da calma. E mais ainda, estaremos menos suscetíveis ao estresse.
Dica #1: Não espere tudo estar em ordem na sua vida para depois buscar calma.
Isto é, não idealize, deixando para encontrar tempo para ter calma só depois que você resolver seu trabalho, seus boletos, os filhos estiverem crescidos. Isso porque não conseguimos nunca controlar todas as ameaças, todos os riscos ou todas as surpresas que a vida pode trazer.
É claro que é importante estar atento aos perigos e ameaças do mundo, mas isso não deve te impedir de adotar o cuidado com o que te acalma como um investimento, um trabalho, uma rotina da vida. Isso deve ser igual a tomar remédio, tem de ser feito todos os dias.
Dica #2: Faça uma lista das coisas que você pode usar para se acalmar no seu dia-a-dia, separando o que te acalma pela excitação e o que te acalma pela tranquilidade. Se você achou que íamos listar coisas para te acalmar, infelizmente não é o caso. Seria muito bom poder facilitar a vida de todos, porém não sabemos exatamente o que acalma você ou todo o resto das pessoas à nossa volta. Essa é uma experiência, uma sabedoria de cada um para consigo mesmo.
Então a dica número dois consiste em refletir, investigar, parar um pouquinho para conhecer e reconhecer aquilo que te traz tranquilidade. Faça uma lista disso tudo!
Dica #3: Dê preferência pelos seus métodos de encontrar calma pela tranquilidade para o fim do dia e nos períodos em que você estiver atravessando mais momentos estressantes. E deixe os métodos que te acalmam pela excitação para o período diurno ou para os momentos de lazer.
Dica #4: Organize o ambiente em que você habita. A organização e a estética comunicam harmonia e nos trazem tranquilidade.
Dica #5: Evite estímulos excessivos: barulho demais, música alta, luminosidade excessiva, atividades físicas agitadas, etc., sobretudo à noite.
Dissemos que não iríamos dar dicas de coisas para nos acalmar, que todos nós precisamos descobrir aquilo que nos acalma individualmente, e isto ainda é essencial, porém existem algumas práticas que se revelam benéficas à maioria das pessoas:
Dica #6: Vá de encontro à natureza.
No Japão existe uma expressão especificamente para isso: o shinrin-yoku, ou banho de floresta. Essa prática diminui os níveis de cortisol, um hormônio relacionado ao estresse, reduz a pressão arterial, eleva o bem-estar emocional, entre outros benefícios.
Dica #7: por último, mas não menos importante, namore!
Namorar provoca uma descarga de energias psíquicas que traz bem-estar... Você pode estar se perguntando: mas namorar não entraria na categoria de se aclamar por excitação?
Namorar é um contraexemplo. Primeiro porque é um processo natural do organismo; segundo porque envolve afetos agradáveis, amorosos, ou como diria Roland Barthes, encontramos calma no gesto do abraço amoroso:
“O gesto do abraço amoroso parece realizar por um momento, para o sujeito, o sonho de união total com o ser amado (...) tudo é então suspenso: o tempo, a lei, a proibição: nada se esgota, nada se quer: todos os desejos são abolidos porque parecem definitivamente transbordantes”.
Você tem direito a cuidar do que te acalma. Precisamos ter cada vez mais atenção, porque a tendência do nosso mundo é se tornar cada vez mais agitado.
Para finalizar, uma história gostosa sobre Dorival Caymmi, a calma em pessoa, contada por Caetano Veloso:
Caetano conta que uma vez encontrou com Dorival e ele falou que tinha que mostrar uma coisa muito importante que ele tinha feito. Eles entraram numa casa muito simples e chegaram no cômodo onde estava aquilo que ele queria mostrar.
Segundo Caetano, “Era uma sala neutra, com uma poltrona comum. Um ventilador estava no chão, ligado." Caymmi, pondo a mão no ombro [de Caetano], diz:
“Olha o que eu fiz: botei o ventilador de frente para a poltrona. Eu me sento aqui e fico só pensando em coisas boas”.
Caetano encerra seu comentário lembrando do poder da calma contra todas as coisas ruins. Ele diz assim:
“Todas as coisas ruins que se apresentam de modo tão estridente ao nosso redor agora mesmo estão sob o jugo de sua calma, de sua teimosa paciência, de sua doçura, de sua luminosa inspiração.”
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