O tema Burnout não está na moda à toa. Estamos enfrentando sérias dificuldades como organizações e como indivíduos para lidar com o esgotamento físico e mental no trabalho e o volume de pessoas diagnosticadas com essa síndrome não para de aumentar. Por isso, resolvemos nos debruçar sobre o tema e compartilhar nossas reflexões em três textos (e três episódios do nosso canal Relações Simplificadas no YouTube). Você pode ler o SEGUNDO texto, “Burnout, como chegamos até aqui”, logo abaixo.
Leia o PRIMEIRO texto, “Apresentando a Síndrome de Burnout” no link: https://www.relacoessimplificadas.com.br/post/burnout1
Leia o TERCEIRO texto, “Burnout – Mudanças Necessárias” no link: https://www.relacoessimplificadas.com.br/post/burnout1
Boa leitura e obrigado pela companhia!
Burnout, como chegamos até aqui
Numa tradução literal do inglês, “Burn out” significa “reduzir a cinzas”, “queimar por completo”. Quando falamos da saúde psíquica de quem trabalha, a Síndrome de Burnout pode ser traduzida como o esgotamento emocional e mental do trabalhador.
A Síndrome de Burnout não é causada por nenhum agente patogênico, como um vírus, uma bactéria, um fungo, um verme ou um protozoário, nem por um defeito genético, congênito, ou por conta da falência ou adoecimento de algum órgão. A Síndrome de Burnout é decorrente das condições de trabalho e da vida profissional.
O que, na nossa relação com o trabalho nos dias de hoje, está nos levando ao adoecimento e à completa exaustão? Que condições da organização do trabalho criadas no mundo contemporâneo estão favorecendo esse fenômeno?
Pra tentar responder a essas perguntas, vamos nos referir a duas histórias: a história das Condições de Trabalho, que tem impacto sobre o nosso corpo; e a história da Organização do Trabalho, que tem impacto sobre a nossa subjetividade.
A história das conquistas das melhorias das condições de trabalho começa no século XIX. Naquela época ainda não havia leis trabalhistas, de tal forma que as condições do contrato eram combinadas diretamente entre patrão e empregado, sem nenhum tipo de mediação, controle ou fiscalização do Estado.
Como consequência, algumas coisas que hoje acharíamos absurdas eram muito comuns, como, por exemplo, trabalhar sem nenhuma condição de segurança ou higiene; jornadas de trabalho extremamente longas - normalmente entre 12 e 16 horas por dia, mas que podiam chegar a até a 18 horas por dia - e sem direito a dia de descanso, ou seja, sem final de semana; além disso era comum que crianças de 7 anos de idade também trabalhassem nas fábricas, e em alguns casos, até mesmo com 3 anos! Sem falar nos salários baixíssimos, que não davam nem para o mínimo necessário pra sobreviver. Nos Estados Unidos era comum as pessoas receberem menos de 1 dólar por dia.
As condições eram tão ruins que não era incomum que as pessoas morressem de exaustão ou doença no meio de um dia de trabalho. E como não havia nenhuma lei que protegesse a vida do trabalhador, ninguém era punido por isso.
Durante o século XIX, a questão central da luta pela melhoria das condições de trabalho não chegavam a abordar os temas relativos à saúde do trabalhador, pois o debate ainda girava em torno da sobrevivência do trabalhador.
A conquista de melhores condições de trabalho
As melhorias das condições de trabalho chegaram, mas não foi rápido, nem simples. Para termos uma ideia, na França, que foi um dos países pioneiros no cuidado com a saúde do trabalhador, a lei que regulamentou o direito a condições dignas de segurança e higiene no local de trabalho demorou 11 anos para ser aprovada (de 1882 até 1893). A lei que cuida da questão dos acidentes de trabalho levou 15 anos, de 1883 a 1898). E a lei que limitou a jornada de trabalho diária ao máximo de 10 horas de trabalho por dia levou simplesmente 40 anos para ser aprovada, de 1879, quando foi proposta, até 1919, quando foi aprovada. Já a lei que garantiu o direito ao descanso semanal levou 27 anos para ser aprovada.
Isto é, o que hoje consideramos normal, banal, foi conquistado a duras penas, sendo que a luta por direitos, nessa época, tinha como primeiro objetivo o direito de sair vivo do trabalho. Em grande medida, foi graças aos movimentos operários que essas conquistas foram alcançadas.
Além das reivindicações dos trabalhadores, a I Guerra mundial reforçou a importância do cuidado com as condições de trabalho por causa dos desfalques na reserva de mão de obra decorrentes do número de mortos e feridos de guerra. Isto é, decidiu-se cuidar mais dos trabalhadores apenas porque estava faltando gente pra trabalhar.
Foi nessa época que surgiram as indenizações pelas doenças contraídas no trabalho e as bases do que viria a ser a Medicina do Trabalho.
E foi no meio da I Guerra Mundial, no ano de 1916, que o Ministro francês Albert Thomas instituiu a jornada de trabalho de 8 horas por dia. Ao tomar essa decisão, o ministro ficou muito surpreso, pois constatou que a diminuição da jornada de trabalho ocasionou um aumento da produtividade no país!
Essa recapitulação histórica é importante porque fala das melhorias das condições de trabalho.
O desenvolvimento da Organização do Trabalho
Já as grandes mudanças da Organização do Trabalho começaram no início do século XX. A inspiração para essa mudança vem da teoria da Organização Científica do Trabalho, desenvolvida por Frederick Winslow Taylor, que publicou, em 1911, um livro chamado “Os Princípios da Administração Científica”. Ainda que hoje em dia essa obra esteja ultrapassada, ela é importante porque mudou para sempre a forma de organização do trabalho no mundo e produz efeitos até os dias de hoje.
O objetivo do Taylorismo é aumentar a produtividade através do fracionamento dos gestos produtivos. Quer dizer, o funcionário não cuidava mais da montagem de um produto do início até o fim de sua fabricação, como na organização de trabalho artesanal. Mas apenas de uma pequena parte.
Isso passou a provocar um custo psíquico que conduz a experiência do trabalhador a uma espécie de nonsense, onde o sentido do trabalho e o destino da tarefa são desconhecidos. Quer dizer, “se eu fico aqui só apertando um parafuso ou só preenchendo uma planilha, qual é o sentido do que eu faço?” Além disso, como a tarefa é apenas uma pequena parte do serviço ou produto que a empresa oferece, a pessoa perde, também, o reconhecimento social do seu valor enquanto trabalhador.
O psicanalista francês Christophe Dejours é um grande pesquisador desse tema. Ele é criador da psicodinâmica do trabalho, uma abordagem científica que ele começou a desenvolver na França, nos anos 80, e que vem crescendo muito nos dias de hoje.
Segundo Dejours, Taylor desenvolveu dispositivos de controle e vigilância, aumentando a rigidez da produção e diminuindo a liberdade, a autonomia e a criatividade do trabalhador. Com isso, não era mais possível ao trabalhador adaptar as suas tarefas aos seus ritmos orgânicos e psíquicos. Pelo contrário, o trabalhador é que passou a ter que se adaptar ao trabalho.
Um cenário para mais Burnout
Concluindo, para termos Burnout, precisamos (1) de boas condições de trabalho combinadas com (2) uma organização do trabalho que desconsiderou as nossas necessidades psicológicas. É por isso que, no nosso Manifesto pela Cultura Psi falamos que, nos últimos séculos, o direito à vida foi uma das pautas que transformaram o mundo. Mas hoje, a urgência é lutarmos pelo direito à saúde mental no trabalho.
Portanto, essa filosofia, esse modelo de organização do trabalho do século XX, se mantém vivo até hoje nas culturas das empresas. E não só no chão de fábrica, mas também nos escritórios; ela permeia mentalidades e estratégias. Em algumas empresas mais, em outras menos. Algumas, totalmente dependentes do comando e controle, outras mais flexíveis, porém ainda muito resistentes à inovação.
Mas o aumento do número de casos de absenteísmo, presenteísmo e Burnout hoje em dia demonstra a falência desse modelo.
Por isso, enfrentar a questão da Burnout exige soluções sistêmicas, que passam pelo modo como nos cuidamos, como nos relacionamos com os outros, como enxergamos nosso trabalho, como trabalhamos. E também, e talvez, principalmente, por repensar essa lógica de organização do trabalho!
A boa notícia é que existem casos de organizações repensando a organização do trabalho e sendo bem-sucedidas. São exemplos que servem de inspiração, como o de uma empresa australiana que aboliu o trabalho presencial às quartas-feiras, permitindo que os funcionários pratiquem esportes, cuidem das relações familiares, descansem. Isso gerou um aumento de 46% em sua receita, enquanto os lucros triplicaram. Ou da empresa japonesa que bonifica os funcionários que dormem bem, diminuindo o absenteísmo e a Burnout. Você pode ler essas matérias nos links citados abaixo do texto.
E, embora ainda não existam pesquisas que comprovem a eficácia do ponto de vista da melhoria do nosso bem-estar psíquico, sabemos que algumas startups vêm tentando inovar justamente nesse sentido da organização do trabalho.
A subjetividade, o mundo interno, o psiquismo são o ponto crucial de cuidado com a saúde do trabalhador e peça chave para o sucesso das empresas do século XXI.
E a sua empresa, o que está fazendo para melhorar as condições da organização do trabalho e cuidar da saúde psíquica dos seus colaboradores? Compartilhe conosco suas boas práticas!
E se quiser, estamos à disposição. Nós temos ideias e soluções para resolver esse tipo de questão.
LINKS:
Assista ao episódio "" no canal Relações Simplificadas:
Matéria da revista Time sobre as condições de trabalho antigamente:
Empresa japonesa bonifica o sono dos funcionários
Empresa australiana aboliu as quartas-feiras
Burnout segundo o Ministério da Saúde
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