Artigo escrito originalmente para o site da UNIBRAD - https://www.unibrad.com.br/artigo-detalhe/5100/gestao-do-nosso-mundo-interior
Posso afirmar com segurança que a coisa mais importante para a gestão da minha carreira foi gerir meu mundo interior. Faço análise desde os dezenove anos, e desbravar o universo da minha subjetividade – esse mundo desconhecido, incerto, onde me deparei com medos, incertezas, angústias (e também com a minha força!) – foi fundamental para alcançar a sensação de plenitude: trabalhar com o que amo, ser bem-sucedida, ser feliz.
Durante catorze anos fui publicitária. Formei-me em propaganda e marketing e trabalhei na área que escolhi, planejamento estratégico. Virei diretora com vinte e seis anos e aos trinta e dois fui a mais jovem mulher a assumir uma multinacional na área. O sucesso veio acompanhado de muito stress – típico da profissão –, mas que, aliado a uma tendência workaholic, trouxe-me um descolamento de retina e a certeza de que não queria mais trabalhar nesse mercado.
Eu já tinha incorporado a meditação em minha prática de autoconhecimento. E foi ela quem me deu tranquilidade para pedir demissão do cargo de Diretora Geral sem ter a menor ideia para qual caminho seguir.
Também mantive um hobby: fazer aulas de palhaço uma vez por semana. Era o momento de leveza, de liberdade e presença que, junto com a análise e a meditação, dava-me força para sustentar minha escolha. Para quem me perguntava o que ia fazer, havia apenas uma resposta: “Vou fazer projetos legais com pessoas legais”.
A vida se encarregou de me colocar diante de muitos projetos legais com pessoas legais e, rapidamente, tinha uma nova profissão: consultora na área de sustentabilidade, tendo sido o Bradesco, inclusive, meu primeiro cliente. Foram três anos de muito trabalho e aprendizado quando, de um insight, resolvi mudar novamente, a partir daquilo que havia começado apenas como hobby: criei, em conjunto com a Mônica Malheiros, uma consultoria que utiliza a linguagem do palhaço para o desenvolvimento de pessoas, que já completou onze anos.
Fazer esse percurso, tão alinhado com a ideia de que vivemos um momento em que todos teremos muitas profissões, que é necessário flexibilidade, que é possível alinhar trabalho e propósito, trabalho e alegria, só foi possível porque, durante todos esses anos, além de gerir meus passos nas diferentes carreiras, fiz uma gestão disciplinada do meu mundo interior.
Cuidei das minhas emoções, da minha ansiedade, ampliei minha capacidade de escuta de mim mesma, ampliei minha segurança emocional. E tudo isso se reflete na relação que estabeleço com outras pessoas e, claro, aumenta minha capacidade de seguir me reinventando, de adaptar-me a esse mundo plástico, líquido, em transformação exponencial.
É espantoso que, diante de tantas mudanças, ainda tenhamos tão pouco foco em nos qualificarmos emocionalmente, em fazer a gestão do nosso mundo interior. Há profissionais extremamente competentes tecnicamente em nossas carreiras, em nossas equipes, porém quantos têm qualificação emocional? Já conhecemos os dados, os artigos que falam da substituição de inúmeras carreiras por robôs, pela inteligência artificial. Mas uma máquina não sente, não estabelece relações, não cria.
Muito tem-se falado da inteligência emocional e sim, ela é importante. Mas é necessário lembrar que nosso mundo interior não se resume às emoções e nossa capacidade de lidar com elas. É preciso entender o que elas movem, de onde vêm, porque repetimos padrões, porque temos dificuldade em mudar nosso mindset. Gerir o mundo interior é um trabalho de longo prazo, que precisa ser feito levando em consideração as diferentes instâncias desse mundo – principalmente nosso inconsciente.
A sociedade criou uma série de preconceitos que, agora, nos afasta da maravilhosa possibilidade de nos prepararmos melhor para esse mundo em mutação: já ouvi que virei zen, hippie, que análise é só botar a culpa no pai e na mãe, que Freud é chato. Quando me deparo com profissionais incríveis no que fazem mas que estão em sofrimento, que não sabem liderar uma equipe, que lideram isolados, penso sempre nesses preconceitos e em como eles nos afastaram de algo fundamental, que é nos compreendermos melhor, para melhor compreendermos o outro.
Muitas pessoas já se deram conta da importância desse cuidado. Algumas, infelizmente, ainda estão procurando resolver essas questões a partir de uma pílula mágica, que dê resultados imediatos. Talvez, em algum momento, compreendam que parte do processo de verdadeiramente se conhecer tem a ver com o tempo, e que se trata de uma caminhada para a vida, com resultados que só vão acontecer a médio e longo prazo. Mas nem por isso devemos desanimar, pois o caminho é longo, mas a recompensa é imensa.
– Nina Campos é designer para relações, palhaça e palestrante. Criou a consultoria Relações Simplificadas e também o canal no YouTube de mesmo nome, onde apoia outras pessoas a gerir seu mundo interior.
Foto de Tatiana Coppola