Empatia para além do óbvio

20 Junho 2022

Empatia é uma habilidade super poderosa que pode mudar as relações e o mundo. Mas a definição que é usada hoje, pela maioria das pessoas e maioria dos lugares – a de que empatia é se colocar no lugar do outro ou sentir o que o outro sente – é uma noção incompleta e induz a gente a uma série de equívocos. Essa é uma ideia que nasce de uma leitura do termo baseada numa concepção herdada da antiguidade clássica. É, portanto, uma definição anacrônica.

Quando a gente olha a etimologia da palavra (em + pathos), encontramos na sua origem grega o prefixo “em”, que significa contato ou aquilo que vem do interior, mais o radical “pathos”, que significa enfermidade, sofrimento, afecção. Por isso, muita gente pensa que empatia poderia ser entendida como “sentir o que o outro sente”.

Tentar se colocar no lugar do outro não é uma ideia ruim, mas o problema é que isso é, na prática, impossível, e resulta, quase sempre, em uma idealização.

E isso não é só um “modo de dizer”, no sentido de que, ao tentar se colocar no outro, estaríamos na verdade fazendo um exercício imaginativo para alcançarmos mesmo sentimento do outro. Não podemos nos contentar com uma definição assim tão imprecisa porque, de fato, se colocar no lugar do outro é impossível. Mesmo assim muita gente usa essa noção com a melhor das intenções.

Mas o fato é que nunca vamos saber o que o outro está sentindo, simplesmente porque nós não somos o outro e nunca seremos. Nunca passaremos pelas experiências da mesma forma que a outra pessoa.

Dizer que empatia é se colocar no lugar do outro é uma aproximação rápida e idealizada do conceito.

O efeito colateral da empatia idealizada

Essa idealização conceitual gera um efeito colateral. Ela coloca uma pressão e uma exigência de que a gente faça algo que não é possível ser feito. Por exemplo, por mais que eu me esforce e tente imaginar como será a vida de uma pessoa que tem uma deficiência, eu nunca vou entender quais são as reais dificuldades e desafios dessa pessoa no dia-a-dia dela.

A mesma coisa vale para pessoas do sexo oposto, outras raças, outras realidades sociais. Ou ainda, de pessoas que estão muito doentes ou que perderam algum ente querido. Por melhor que você seja em imaginar, dá para se colocar no lugar dessa pessoa?

Então, essa noção de que empatia é se colocar no lugar do outro gera alguns problemas importantes:

Problema número 1: A idealização. Só quem vive a experiência é que pode falar dela; você não vai entender o lugar dela só de imaginar.

Problema número 2: Muita gente fica aprisionada na ideia de que “preciso entender, compreender, sentir a mesma coisa”, e se, por acaso, você não estiver de acordo, não sentir da mesma forma, ainda assim você se vê forçado a dizer que concorda com o outro simplesmente porque “é importante ser empático”.

Problema número 3: Acontece quando, nesse esforço de demonstrar empatia, a gente fica tentando entender, imaginar o que está passando e o que está acontecendo dentro do outro, e perdemos de vista uma outra pessoa importante da relação e fundamental para a prática de empatia: NÓS MESMOS.

A verdadeira empatia acontece no espaço entre duas pessoas

E empatia se dá nesse encontro do outro conosco. Portanto, somos parte fundamental dos relacionamentos empáticos.

Este é um aspecto que está ficando totalmente de fora dessa construção simplista: o processo precisa acontecer dentro de nós. Isso é o que diz lindamente o Paulo Leminski, num poema chamado Contranarciso, que você encontra no fim deste artigo.

Para entender empatia verdadeiramente, a gente precisa conhecer a história do conceito para além da etimologia.

O uso moderno do termo toma emprestado da estética o seu entendimento. E aí a palavra que serve de referência é o termo alemão einfhulung, que foi usado pela teoria estética para tentar descrever o que uma pessoa sente diante de uma obra de arte, ou seja, qual o sentido interno para a pessoa do impacto que a obra de arte tem sobre ela.

É a partir deste contato com os próprios sentimentos, do impacto que o outro, os seus sentimentos e a sua história têm sobre nós, que nós nos tornamos capazes de buscar um sentido para o que se passa no mundo interno da outra pessoa. Ou, segundo a teoria estética, é a partir do que sentimos diante de um trabalho artístico que podemos compreender os significados da obra de arte.

Empatia é tentar entender o sentido interno que uma experiência tem para a outra pessoa a partir de como isso nos afeta.

Ou seja, empatia é termos a capacidade de sermos tocados pela experiência do outro. De nos comovermos e compartilharmos uma experiência emocional. Nós não precisamos nos colocar no lugar do outro, nem sentir o que o outro sente.

Então como fazemos isso?

Escutamos.

Lembra do exemplo acima sobre sermos empáticos com uma pessoa com deficiência? Então, para quem não tem nenhuma deficiência é impossível se colocar no lugar dessa pessoa. Ainda assim, é possível escutá-la, compartilhar as histórias dela, ouvir o que, para ela, significa ter uma deficiência. Tudo isso é único e varia de pessoa para pessoa. Ser deficiente numa cidade como São Paulo é muito diferente de ser deficiente numa cidade do interior do Brasil, ou numa cidade da Europa. São realidades e experiências singulares, que só a pessoa é capaz de falar a respeito.

A mesma coisa para quando alguém perdeu um ente querido. Quem perdeu pessoas queridas sabe o que cada perda significou. Cada uma foi diferente, porque cada relação era única. Dizer que sabemos o que o outro está sentindo quando sofre uma perda significativa só porque também já sentimos algo “parecido” algum dia na vida não é ser empático! Não há nada que assegure que a nossa relação com a pessoa que perdemos, ou com o luto que precisamos elaborar, foi minimamente semelhante com o que a outra pessoa está passando. Nem que essa pessoa vai passar pelo luto da mesma maneira que nós.

Então, os passos que a gente sugere para que você consiga trilhar o caminho da empatia são:

  1.  Escute o outro e aprenda o que aquela experiência significa para ele.
  2. Escute a si mesmo. Perceba como a história do outro te afeta.
  3. Compartilhe o entendimento do que você percebeu sobre os afetos do outro e de como você percebeu que foi afetado pela experiência que a pessoa te contou. Porque certamente o outro sentirá que estamos sendo empáticos quando perceber que aquilo que ele narra da própria experiência encontra os nossos sentimentos.

O perigo da Empatia Colonizadora

A parte desafiadora deste exercício é nos esvaziarmos das nossas ideias pré-concebidas.

Se não fazemos isso, corremos o risco de praticarmos o que nós vamos chamar aqui de empatia colonizadora, que é quando você não escuta realmente o outro e ainda faz pior, projeta os seus sentimentos ou ideias sobre ele. Quando isso acontece, acabamos por colonizar a subjetividade do outro com os nossos pré-conceitos e com o nosso próprio mundo interno. Desta forma, a escuta morre e a empatia deixa de existir.

Quando demonstramos para as pessoas que as experiências delas não passam por nós sem nos afetar, quando demonstramos que nos emocionamos com as histórias delas e podemos falar sobre isso, pode ter certeza, as pessoas sentem que foram ouvidas, respeitadas e que o verdadeiro encontro empático aconteceu.

Para saber mais sobre este tema, acesse o vídeo Empatia no nosso canal do YouTube.

Contranarciso

(Paulo Leminski)

em mim

eu vejo o outro

e outro

e outro

enfim dezenas

trens passando

vagões cheios de gente

centenas

o outro

que há em mim

é você

você

e você

assim como

eu estou em você

eu estou nele

em nós

e só quando

estamos em nós

estamos em paz

mesmo que estejamos a sós


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