Uma homenagem em nome das boas relações

20 Junho 2022

O primeiro post de nosso blog nasce em forma de homenagem.

Muitas coisas vieram à minha cabeça desde que recebi a notícia do falecimento de um amigo que tenho há 19 anos. Alfredinho era uma figura muito conhecida no Rio de Janeiro, sobretudo entre músicos, boêmios e intelectuais. Há décadas cuidava de seu bar, Bip Bip, que reunia os melhores músicos da cidade, que compareciam sem cobrar cachê, apenas pelo prazer de sua companhia e pela oportunidade de praticarem a boa música. E desse jeito informal, o bar conseguia ter uma programação fixa de noites de samba, bossa nova e chorinho.

Havia excentricidades no funcionamento do botequim de apenas dezoito metros quadrados. Sem garçom, cada frequentador era responsável por pegar a própria cerveja no freezer e avisar Alfredinho, que anotava o consumo em um caderno para que a pessoa pagasse ao fim da noite. Não tinha conta na mesa nem cobrança. Outra excentricidade é que não era permitido conversar no bar enquanto houvesse música tocando. Isso mesmo! Era um local para se apreciar a boa música, que sempre foi encantadora. E talvez o aspecto que mais chamava atenção era a capacidade de Alfredinho parecer ranzinza e rabugento mas, à menor aproximação revelar-se um ser humano de coração gigante. Ao longo dos 19 anos em que frequentei o local, ainda que com menos frequência desde que me mudei para São Paulo, o funcionamento do excêntrico bar nunca mudou.

Alfredinho administrando as notas de consumo sentado à frente do Bip Bip 

E como isso foi possível? Como os novos e os antigos frequentadores do bar seguiram, ao longo de tantas décadas, respeitando e praticando as regras do local?

É aqui que a nossa homenagem ao Alfredinho e ao seu trabalho no Bip Bip encontra razão de existir como o post inaugural de um blog batizado Relações Simplificadas.

Em primeiro lugar, porque o Alfredinho sempre foi um mestre das relações. Por trás da abordagem zangada ele conseguia revelar toda a sua humanidade e disponibilidade para ajudar as pessoas. Uma cena que ilustra bem isso, que se repetiu tantas vezes, é a situação que testemunhei certa vez em que turistas estrangeiros pediam informações em inglês para ele, sobre de como chegar em um bar, e ele explicava em português enquanto anotava as direções em um pedaço de papel. Outra pessoa que também assistia a cena chegou a sugerir que ele falasse em inglês e ele retrucou dizendo que eles aprendem rapidinho. O que mais me surpreendeu na situação foi que os turistas queriam que ele desse as informações, ainda que muitos dos presentes pudessem fazê-lo em inglês.

Alfredinho comunicava com clareza, sem precisar dizer uma palavra nem esconder quem ele era: uma pessoa disponível para as relações.

Outro aspecto importante para este post reside no fato de que o Bip Bip sempre funcionou a partir da Erfahrung, ou Experiência Narrativa Compartilhada, nos termos de Walter Benjamin. Ali, o saber e o conhecimento eram compartilhados e fundavam uma memória comum, criando e transmitindo uma moral, unindo gesto e palavra. Para entender tudo o que já havia se passado ali e como as coisas deveriam acontecer bastava alguns minutos de vivência do cliente no local.

Se o Bip Bip fosse uma empresa e os clientes seus funcionários, haveria uma sinergia transmitida imediatamente a qualquer novo empregado, motivadora e envolvente, que dispensaria qualquer workshop ou palestra motivacional. Todos vestiriam a camisa, e iriam para casa felizes ao fim de um dia de trabalho gratificados por sua parte de contribuição ao mundo.

Para concluir este post, devo dizer que não foi fácil escrevê-lo. Mas o fiz a pesar do meu luto, e o fiz em primeira pessoa, algo que não costumo adotar em meus escritos. Não poderia ser de outra maneira. Mas em nome da amizade encontrei consonâncias em mim para superar o meu choro a partir de outro choro, o Choro do Bip Bip, que compartilho aqui.

Foram estes os caminhos escolhidos por mim para dar início ao nosso blog, que sempre trará algum conteúdo relacionado aos nossos trabalhos e as coisas mais preciosas que temos na vida que são as nossas relações. Quero compartilhar com você, amigo leitor, um vídeo que publicamos esta semana e que fala da importância de entristecer para ter uma vida boa. Entenda, esse vídeo me ajudou a passar pela despedida do meu querido amigo Alfredinho e produzir um texto onde compartilho as impressões que ficaram em mim a partir de uma relação verdadeiramente simplificada.

Assim, despeço-me de um amigo que, enquanto eu viver, jamais morrerá.

 


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